quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O pegador do campo de centeio

"Começou então a namorá-la na igreja, esforçando-se por falar com ela. Ao princípio, Fiênitchka tinha medo dele. Um dia, à tarde, encontrou-o numa trilha estreita, passagem pouco transitável, que os pedestres abriram num campo de centeio. Ela entrou na alta e densa plantação de centeio, cheia de ervas daninhas e flores, com o único propósito de evitar o encontro. Nicolau Pietróvitch viu sua cabecinha através das espigas douradas, de onde ela o espiava como uma gatinha medrosa. Gritou carinhosamente:
- Bom dia, Fiênitchka! Pode aproximar-se. Não mordo."
Pais e filhos. Ivan Turgueniev

Presente de namorada, lembro onde comecei e terminei de ler O apanhador no campo de centeio. Bom livro. Jovens; eternos rebeldes.
"Sabe, o protagonista me lembra você", foi o que eu tive que ouvir...
ZZZZzzzzzzZZZZZZzzzzzz
Meses depois, namoro ainda em alta, ganhei a caixa azul com as fitas dos episódios IV, V e VI de Star Wars. Sem palavras. Emocionado, quase troquei alianças no dia.
"Você me lembra o Han Solo", era o que eu queria ter ouvido.

Se fudeu, Salinger. A morte te achou.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Tem figura?

Escrever, às vezes, enche o saco. Ler também.
... <- é pra clicar.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Seguro desemprego

Hoje, na Caixa:
- Oi. Sabe me dizer quem é a Silvana?
- É aquela moreninha no balcão.
- Qual? A da direita?
- Não, a outra.
- Senhora, Silvana é a negra da esquerda ou a morena da direita?
- Isso, isso, a da esquerda.

O Brasil miscigenado e a eterna dificuldade em chamar um negro de... negro.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Andrea

Um dia me apaixonei por uma garota no trabalho. Lindos olhos azuis, franja no rosto, baixinha e com um sorriso lindo.
Depois de me apaixonar, geralmente, levo uns quatro anos até falar com a fêmea. Dessa vez, levei só umas quatro semanas.
Estranho, no mínimo.
Entre uma lorota e outra, daquelas que a gente sempre lança pra mostrar nosso gosto refinado, citei que gostava de ler livros, comer macarrão e dormir de meias.
Depois da conquista, o amorzinho manjado.
Todo dia era uma chamada no ramal:
“Alô.”
“Oiê. Fui na padaria e lembrei de você, aí te trouxe um chocolate”
“Aaaaaah, que fofo. Vou passar aí na sua sala pra pegar.”
E todo dia era um e-mail:
“Oi. Tô com saudade já :)”
“Oi. Também tô. Esse dia não acaba nuuuuuuuunca. rs ;)”
Enfim, todo mundo sabe como é.
Numa tarde toca o meu ramal:
“Alô.”
“Oiê. Então, outro dia chegou um livro aqui na redação, né. Eu levei pra casa e li rapidinho. Acho que você vai gostar. Vou passar aí pra te entregar.”

Pronto. Ia ter que ler o troço todo, gostar e ainda dar minha opinião. Já tava ficando trabalhoso demais esse namorico.

Peguei o livro. O Estaleiro - Juan Carlos Onetti.
Cara de paisagem.
Nunca tinha ouvido falar. Nunca tinha lido nada sobre.
Mas, era quinta-feira. O que se faz, aos 22 anos, numa noite de quinta-feira? Fun House? Opa, é claro.
Fui ler na cama.
O livro é curto e a noite é longa.
“Mas peraí. Porque que eu nunca ouvi falar nesse filho da puta?”
Devolvi o livro com uma dor no coração e fui buscar os outros títulos do cara. Não tendo em português, o dicionário Larousse espanhol-português ajudaria (R$ 43,90. Cortesia da Editora Escala).

O Onetti é bom. É simples. Não tem lição de moral. Quase todos os seus livros e contos são sobre a cidade de Santa Maria e seus habitantes. O Estaleiro é a história do Gordo Larsen que volta pra cidade, anos depois de ter sido expulso. O porquê dele ter sido expulso, só dá pra entender no Juntacadáveres, livro que foi lançado anos depois, mas a ordem pouco importa. Um livro costura o outro, e no final dá na mesma; todo mundo se fode. E dá pra ler tudo isso de ressaca, de bom humor, da pá virada, no ônibus, na rua, na chuva, na fazenda e, suspeito, até com um grande pau no cu.
Ok. A Vida Breve precisa de um pouco mais de concentração.
Tiremos o pau do cu.
O velho escritor passou os últimos dez anos deitado na cama, por opção própria, apenas lendo, fumando, escrevendo e dizendo que toda a sua obra era um plágio da obra do Faulkner. É isso o que eu sei sobre ele, e é isso que eu quero saber sobre ele.

Toda vez que eu leio alguma coisa do Onetti, eu lembro da garota. Nosso "namoro" durou até a prorrogação. Depois terminou. Todos terminam. Ano passado, no dia do meu aniversário, eu já sabia que iria sair do trampo, e na empresa, tirando o R.H, somente ela sabia também.
Toca o meu ramal:
“Alô.”
“Oh, trouxe seu presente de aniversário e despedida.”
“Eba. Cadê?”
“Passa aqui pra pegar.”
Abri o embrulho. Era a edição do Estaleiro de três anos antes. A capa azul estava suja e com a cor desbotada. Os olhos dela eram os mesmos.

domingo, 10 de janeiro de 2010

point 88 fine 0,4


Eu uso STABILO, na verdade. Frescura de canhoto, que já sujou muito os dedos, e borrou muita folha de caderno.
Mas elas seguem escrevendo.