segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Andrea

Um dia me apaixonei por uma garota no trabalho. Lindos olhos azuis, franja no rosto, baixinha e com um sorriso lindo.
Depois de me apaixonar, geralmente, levo uns quatro anos até falar com a fêmea. Dessa vez, levei só umas quatro semanas.
Estranho, no mínimo.
Entre uma lorota e outra, daquelas que a gente sempre lança pra mostrar nosso gosto refinado, citei que gostava de ler livros, comer macarrão e dormir de meias.
Depois da conquista, o amorzinho manjado.
Todo dia era uma chamada no ramal:
“Alô.”
“Oiê. Fui na padaria e lembrei de você, aí te trouxe um chocolate”
“Aaaaaah, que fofo. Vou passar aí na sua sala pra pegar.”
E todo dia era um e-mail:
“Oi. Tô com saudade já :)”
“Oi. Também tô. Esse dia não acaba nuuuuuuuunca. rs ;)”
Enfim, todo mundo sabe como é.
Numa tarde toca o meu ramal:
“Alô.”
“Oiê. Então, outro dia chegou um livro aqui na redação, né. Eu levei pra casa e li rapidinho. Acho que você vai gostar. Vou passar aí pra te entregar.”

Pronto. Ia ter que ler o troço todo, gostar e ainda dar minha opinião. Já tava ficando trabalhoso demais esse namorico.

Peguei o livro. O Estaleiro - Juan Carlos Onetti.
Cara de paisagem.
Nunca tinha ouvido falar. Nunca tinha lido nada sobre.
Mas, era quinta-feira. O que se faz, aos 22 anos, numa noite de quinta-feira? Fun House? Opa, é claro.
Fui ler na cama.
O livro é curto e a noite é longa.
“Mas peraí. Porque que eu nunca ouvi falar nesse filho da puta?”
Devolvi o livro com uma dor no coração e fui buscar os outros títulos do cara. Não tendo em português, o dicionário Larousse espanhol-português ajudaria (R$ 43,90. Cortesia da Editora Escala).

O Onetti é bom. É simples. Não tem lição de moral. Quase todos os seus livros e contos são sobre a cidade de Santa Maria e seus habitantes. O Estaleiro é a história do Gordo Larsen que volta pra cidade, anos depois de ter sido expulso. O porquê dele ter sido expulso, só dá pra entender no Juntacadáveres, livro que foi lançado anos depois, mas a ordem pouco importa. Um livro costura o outro, e no final dá na mesma; todo mundo se fode. E dá pra ler tudo isso de ressaca, de bom humor, da pá virada, no ônibus, na rua, na chuva, na fazenda e, suspeito, até com um grande pau no cu.
Ok. A Vida Breve precisa de um pouco mais de concentração.
Tiremos o pau do cu.
O velho escritor passou os últimos dez anos deitado na cama, por opção própria, apenas lendo, fumando, escrevendo e dizendo que toda a sua obra era um plágio da obra do Faulkner. É isso o que eu sei sobre ele, e é isso que eu quero saber sobre ele.

Toda vez que eu leio alguma coisa do Onetti, eu lembro da garota. Nosso "namoro" durou até a prorrogação. Depois terminou. Todos terminam. Ano passado, no dia do meu aniversário, eu já sabia que iria sair do trampo, e na empresa, tirando o R.H, somente ela sabia também.
Toca o meu ramal:
“Alô.”
“Oh, trouxe seu presente de aniversário e despedida.”
“Eba. Cadê?”
“Passa aqui pra pegar.”
Abri o embrulho. Era a edição do Estaleiro de três anos antes. A capa azul estava suja e com a cor desbotada. Os olhos dela eram os mesmos.

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